Meus gêmeos prematuros - por Juliana Gutierre
Depoimentos
30 de Novembro de 2020
"A minha gravidez não foi planejada e veio num momento em que eu estava recém formada, começando uma vida de morar sozinha e me preparando para ser advogada.
Em nenhum dos meus planos havia espaço para um filho, quem diria para dois.
Um atraso de menstruação que eu controlava por aplicativo de celular e acendeu meu alerta para realizar um teste de gravidez que de cara deu positivo.
Descobrir a gravidez de gêmeos, descobrir sobre a Restrição seletiva de crescimento, realização de uma cirurgia intraútero em São Paulo, a possibilidade de um parto prematuro e internação em UTI Neo... tudo parecia surreal.
Meus filhos nasceram de 33 semanas e 5 dias depois de saber que o Vicente estava em sofrimento fetal e centralizado. Por maior que pudesse ser o meu medo, eu sempre tive muita fé e acreditei que tudo daria certo.
Assim que internei na Furg eu sabia que eles iriam para UTI Neo e pra mim foi um alívio saber que eles estavam lá, depois de tanta batalha para conseguir os leitos.
Vê-los e conhecê-los em uma incubadora, cheios de fios, ouvindo os sons e apitos que monitoravam aqueles pequenos corpinhos, foi a sensação mais estranha que vivi na vida, pois envolvia o sentimento de me descobrir e me enxergar realmente como mãe, me adaptar com o rosto daqueles bebês que eram meus e também me acostumar com a nova vida que eu assumiria a partir dali.
Por nunca ter lidado com um bebê na vida, eu acabei percebendo que a rotina da UTI era a minha realidade e eu deveria aceitar. Confesso que não sofri o luto da idealização da maternidade com visitas no quarto do hospital porque eu nem tive tempo e cabeça para sonhar com isso...
Durante a minha terapia eu descobri que foi o mecanismo de defesa que eu criei inconscientemente para me proteger das frustrações e assim eu fui vivendo, um dia de cada vez.
Lembro que a minha primeira pergunta quando entrei dentro da UTI foi: Quanto tempo mais ou menos um bebê fica internado quando nasce de 34 semanas?
E a resposta que eu tive foi: cada caso é um caso... vai vivendo um dia de cada vez, mãe.
Quando se torna mãe de UTI sempre desejamos respostas, datas, previsões, gramas, centímetros, porcentagens, mesmo sabendo que um dia as notícias serão boas e no dia seguinte as notícias podem não ser as melhores.
O refúgio que eu encontrei lá dentro foram as amizades que criei, as histórias que ouvi, as risadas que compartilhei com as técnicas e com as outras mães. A rotina de idas ao banco de leite, as competições mentais criadas para saber qual mãe iria encher primeiro o vidro e qual o barulho que o esguicho do leite daria no fundo do pote.
Nessa rotina eu fui criando a minha fortaleza para poder cuidar dos meus filhos, para poder encarar a realidade de viajar de Pelotas a Rio Grande todos os dias, para lidar com a felicidade de levar o Henrique pra casa e também sentir a tristeza de deixar o Vicente ainda na UTI.
Quando chegou o 67º dia de internação, quando tive a notícia de alta do Vicente, foi um outro misto de sentimentos, pois a partir daquele momento seria somente eu por eles, sem ter maquinas pra controlar, sem ter médicos para monitorar, sem ter fono pra auxiliar nas mamadas, sem ter as técnicas pra me ensinar a posição correta de trocar fralda.
Senti muito medo, senti saudade das amizades que criei, senti gratidão por ter tido a oportunidade de conseguir leitos pelo SUS, por ter sido tão amparada com o melhor atendimento possível, por ter visto a realidade do sistema de saúde e principalmente por ter levado meus filhos com saúde pra casa.
Depois de tanto tempo da alta hospitalar eu achava que a UTI Neo não havia me deixado marcas ou medos, mas quando vejo vídeos ou ouço os barulhos dos apitos eu sinto um frio na nuca, uma vontade de chorar e também me sinto orgulhosa por ter vivido todas essas sensações e por ter sido tão forte a ponto de ignorá-las em nome da saúde e do bem-estar dos meus filhos.
Todo esse tempo de internação, a possibilidade de perder meus filhos fez e faz com que eu valorizasse cada conquista, cada abraço, cada “eu te amo, mamãe” e cada nova descoberta que eles me apresentam.
Hoje eles são duas crianças saudáveis, que estão se desenvolvendo super bem, embora tenhamos que corrigir alguns atrasos cognitivos e comportamentais com auxílio de fono e terapia ocupacional.
O recado que eu gostaria de deixar para as mães de prematuros e que estão passando por momento de internação dos filhos e toda essa montanha-russa de sentimentos, é que vocês tenham paciência, consciência e confiança!
Estejam preparadas para aceitar e compreender que vocês são as mães que vocês podem ser e que irão aprender junto com esses pequenos grandes guerreiros tudo que é preciso para encarar essas incertezas. Logo esses sentimentos serão substituídos pelas certezas de alegrias e conquistas compartilhadas ao lado daqueles que vieram para trazer sentido a nossa existência."
Por Juliana Gutierre, mãe do Vicente e do Henrique.